Olá, como estão, meus alunos do 8º ano da Escola Barão?
Seguindo nosso projeto literário do mês de setembro - Os causos de Blau Nunes - estudaremos hoje o conto "O boi velho" de João Simões Lopes Neto. Este conto é, na minha opinião, o mais emocionante de todos. Vocês vão curtir a leitura e a visualização desta história magistral.
* Você pode ouvir, clicando no vídeo do YouTube e acompanhar o texto a seguir postado.
O boi velho
Fonte
Livro "Contos gauchescos", de José Simões Lopes Neto. Editora Martins
Livreiro.
Cuê-pucha!... é bicho mau, o homem!
Conte vancê as maldades que nós fazemos e diga se
não é mesmo! Olhe, nunca me esqueço dum caso que vi e que me ficou cá na
lembrança, e ficará té eu morrer... como unheiro em lombo de matungo de mulher.
Foi na estância dos Lagoões, duma gente Silva, uns
Silvas mui políticos, sempre metidos em eleições e enredos de qualificações de
votantes.
A estância era como aqui e o arroio como a umas dez
quadras; lá era o banho da família. Fazia uma ponta, tinha um sarandizal e logo
era uma volta forte, como uma meia-lua, onde as areias se amontoavam formando
um baixo: o perau era do lado de lá. O mato aí parecia plantado de propósito:
era quase que pura guabiroba e pitanga, araçá e guabiju; no tempo, o chão
coalhava-se de fruta: era um regalo!
Já vê ... o banheiro não era longe, podia-se bem ir
lá de a pé, mas a família ia sempre de carretão, puxado a bois, uma junta, mui
mansos, governados de regeira por uma das senhoras-donas e tocados com uma rama
por qualquer das crianças.
Quando entrava o inverno eles eram soltos para o
campo, e ganhavam num rincão mui abrigado, que havia por detrás das casas. Às
vezes, um que outro dia de sol mais quente, eles apareciam ali por perto, como
indagando se havia calor bastante para a gente banhar-se. E mal que os miúdos
davam com eles, saíam a correr e a gritar, numa algazarra de festa para os
bichos.
Pois veja vancê ... Com o andar do tempo aquelas
crianças se tornaram moças e homens feitos, foram-se casando e tendo família, e
como quera, pode-se dizer que houve sempre senhoras-donas e gente miúda para os
bois velhos levarem ao banho do arroio, no carretão.
Um dia, no fim do verão, o Dourado amanheceu morto,
mui inchado e duro: tinha sido picado de cobra.
Ficou pois solito, o Cabiúna; como era mui
companheiro do outro, ali por perto dele andou uns dias pastando, deitando-se,
remoendo. Às vezes esticava a cabeça rara o morto e soltava um mugido... Cá pra
mim o boi velho - uê! tinha caraca grossa nas aspas! - o boi velho berrava de
saudades do companheiro e chamava-o, como no outro tempo, para pastarem juntos,
para beberem juntos, para juntos puxarem o carretão, ...
Bichos malditos, estes encarvoados! ...
Então, um notou a magreza do boi; outro achou que
sim; outro disse que ele não agüentava o primeiro minuano de maio; e conversa
vai, conversa vem, o primeiro, que era mui golpeado, achou que era melhor
matar-se aquele boi, que tinha caraca grossa nas aspas, que não engordava mais
e que iria morrer atolado no fundo dalguma sanga e... lá se ia então um
prejuízo certo, no couro perdido...
O peão puxou da faca e dum golpe enterrou-a até o
cabo, no sangradouro do boi manso; quando retirou a mão, já veio nela a golfada
espumenta do sangue do coração...
Houve um silenciozito em toda aquela gente.
O boi velho sentindo-se ferido, doendo o talho,
quem sabe se entendeu que aquilo seria um castigo, algum pregaço de picana, mal
dado, por não estar ainda arrumado. . . - pois vancê creia!-: soprando o sangue
em borbotões, já meio roncando na respiração, meio cambaleando, o boi velho deu
uns passos mais, encostou o corpo ao comprido no cabeçalho do carretão, e meteu
a cabeça, certinho, no lugar da canga, entre os dois canzis ... e ficou
arrumado, esperando que o peão fechasse a brocha e lhe passasse a regeira na
orelha branca...
E ajoelhou ... e caiu ... e morreu...
E ria-se o inocente, para os grandes, que estavam
por ali, calados, os diabos, cá pra mim, com remorsos por aquela judiaria com o
boi velho, que os havia carregado a todos, tantas vezes, para a alegria do
banho e das guabirobas, dos araçás, das pitangas, dos guabijus! ...
http://www.paginadogaucho.com.br/caus/t-bv.htm