Olá, alunos!
Para entender o contexto da crônica A rua do Ouvidor de Joaquim Manoel de Macedo do século XIX, é bom ler o artigo do Museu Histórico de Alcântara que explica como eram feitas as funções fisiológicas antigamente. Divirta-se!
Histórico / hábitos de higiene em Alcântara no século XIX e
início do XX
No início do século XIX, as atividades de limpeza corporal
eram reduzidas à lavagem de algumas partes do corpo. Para tanto, faziam-se uso
da bacia com gomil que servia para as pessoas lavarem a cara e as mãos logo
pela manhã, sendo um dos objetos obrigatórios de um quarto, numa época em que
não havia casas-de-banho ou água canalizada.
Viajantes que passaram pelo Brasil naquela época deixaram registros
de seu espanto com a falta de hábitos de higiene mais completos. Isto porque,
entre os habitantes era costume tomar, no máximo, quatro banhos por ano, quando
se trocava a roupa de cima, enquanto a de baixo nunca era trocada e, quando
apodrecia, era jogada fora. Quanto ao banho, a água era colocada numa tina,
tendo o chefe da família o direito inquestionável de ser o primeiro a usá-la,
sendo seguido pela mulher, demais adultos e crianças por ordem de idade,
terminando pelos bebês, sempre sem trocar a água que, ao final, de tão escura
se alguém mergulhasse nela ficaria impossível de ser identificado.
As casas não tinham banheiros e as necessidades eram feitas
quase sempre nos quintais, numa “casinha”, dotada de fossa, simples buraco no
chão, sem esgoto, e que era limpa durante a noite por um escravo que recolhia a
matéria sólida em tonéis conhecidos como “cabungos”, carregados sobre a cabeça
e despejados em terrenos baldios próximos às residências ou no mar. Como eram
fabricados em madeira, os tonéis quase sempre vazavam parte da carga sobre os
seus carregadores, tingindo-os de listras marrons, deixando-os malcheirosos e
apelidados pejorativamente de “tigres”. Durante a noite principalmente, e
também de dia, após usar os urinóis ou bacias era costume esvaziá-los pelas
janelas gritando antes de arremessar o conteúdo: “água vai”. A exigência do
aviso em voz alta era o cumprimento de um decreto de 1776 baixado pelo Vice-Rei
Dom Manoel de Portugal da Silva Mascarenhas, o Marquês do Lavradio, que
havia sido vítima de “águas-servidas”, atingido que fora pelo líquido despejado
de um urinol.
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Os "tigres" despejando os dejetos dos seus senhores nos rios, lagos e mar. |
Os “tigres” despejando os dejetos das casas de seus senhores
nos rios, lagos e mares.
Entre o século XVI e XVIII experimentou-se um período de
“libertação escatológica”: as funções fisiológicas eram exercitadas
publicamente, à vista de todos, em qualquer hora ou lugar. Os manuais de
etiqueta deste período ensinavam que o censurável não era o ato em si, mas
cumprimentar, olhar ou falar com alguém que o estivesse executando. Para ser
polido, o sujeito deveria fingir-se de cego…
Quando a “necessidade” se apresentava em plena rua, não havia
como evitar o uso de qualquer canto mais discreto, sem nenhuma manifestação de
pudor ou recato, até porque praticamente só existiam homens nas vias públicas,
quer livres ou escravos, já que as mulheres somente saíam aos domingos e sempre
acompanhadas dos seus responsáveis, ou seja, pais, maridos ou irmãos.
Também não era de estranhar o hábito de a população usar a
rua para satisfazer as suas necessidades fisiológicas, quando sabemos que Dom
João VI, costumava fazer uso do penico nas suas andanças pelas ruas do reino e,
sempre que sentia necessidade, punha a cabeça para fora da carruagem e gritava
ao cocheiro: “Lobato! Desejo obrar!”, e o cocheiro por sua vez gritava
avisando: “O Rei quer obrar”, parando em seguida para que fosse montado um
pequeno aparato com um penico, cercado por guardas para garantir a “privacidade”
de Sua Majestade. Os problemas intestinais de Dom João VI foram herdados por
seu filho, Dom Pedro I, que sofria de frequentes diarreias, uma delas
certamente histórica, quando às margens do Riacho Ipiranga havendo apeado do
cavalo, pois segundo historiadores, tinha de “…se apear de meia em meia
hora para obrar”, viu-se abordado pelo mensageiro Paulo Bregaro que lhe
entregou a decisão do Conselho de Estado que pedia a nossa Independência.
Foi no século XIX que ocorreu à transição para a etapa da
“grande contenção”, momento em que as atividades excretoras passaram a ser
realizadas em ambiente privado. Da mesma forma, deixou-se de falar no assunto
publicamente, banindo o tema das conversas em sociedade.
Os urinóis, junto com as “cadeiras furadas”, bidês e outros
aparatos, eram nesse contexto um recurso útil para se atingir o novo
objetivo de privatizar as funções fisiológicas. A próxima etapa, com a
introdução das instalações hidráulicas, seria a criação de espaços específicos
dentro das residências para a execução das atividades fisiológicas, as casas de
banho.
Escarradeiras
Originárias da China, as escarradeiras se disseminaram pela
Europa entre os séculos XVI e XVIII, e daí se espalharam para as colônias
européias em todo o mundo.
Esta peça era encontrada em diversos materiais (porcelana,
faiança ou metal nobre), simples ou profusamente decorada com pintura feita à
mão. Havia modelos de uso pessoal e coletivo: os de bolso eram pequenos frascos
de vidro ou pequenas caixas de ferro, com areia ou serradura; os médios eram
colocados na mesa de cabeceira e os grandes, de uso coletivo, normalmente
ficavam na sala de visitas.
Visto de início como prática necessária e salutar forma de
expelir do organismo as secreções nocivas, o ato de escarrar era publicamente
tolerado e praticado, e dessa maneira as escarradeiras se tornaram presença
obrigatória nas salas e escritórios de casas nobres. Com o avanço dos
conhecimentos da microbiologia, o ato de escarrar passou a ser mal visto;
considerado anti-higiênico, por conta do potencial de propagação de
microorganismos, especialmente do bacilo de Koch, causador da tuberculose. Os
médicos, principalmente, passaram a combater sistematicamente o hábito.
Medicina Hipocrática
Urinóis e escarradeiras atestam uma preocupação com a
expulsão sistemática das secreções corporais. Isso se deve a uma forma
particular de entender o funcionamento do corpo, originada da antiga medicina
hipocrática. Segundo esta teoria, o funcionamento perfeito do organismo se
devia ao equilíbrio entre as quatro substâncias básicas que governam o corpo: o
sangue, a fleuma, a bile negra e a bile amarela. Desta forma, a predominância
de uma dessas substâncias provocaria a doença. A melhor terapia, portanto, era
estimular o reequilíbrio das quatro substâncias, através da aplicação de
sangrias, vomitórios, purgativos, laxantes, etc.
Estes frascos continham substâncias purgativas, expectorantes
e laxantes, que eram, na concepção medicinal da época, as ações mais eficientes
na busca por uma saúde equilibrada.
BIBLIOGRAFIA
LIMA, Tania Andrade. Humores e Odores: ordem corporal e
ordem social no Rio de Janeiro, século XIX. In: História, Ciências, Saúde –
Manguinhos, II (3):, Nov. 1995 – Fev. 1996. p 44-96
_________________________. Concepções de Limpeza.
Equipamentos da Casa Brasileira – Usos e costumes – Arquivo Ernani da Silva
Bruno. Disponível em
http://www.mcb.org.br/docs/ernani/pdf/Concep%C3%A7%C3%B5es_de_Limpeza.pdf. Sem
data.